Qual carro vai para a pista primeiro?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Finalmente o "dia D"...



Sentado no saguão do hotel com os outros competidores, percebi que nenhum estava tão desanimado quanto eu. Era cedo da manhã de domingo e aguardávamos todos se juntarem, para irmos ao autódromo colocar tudo em ordem para os treinos do segundo dia de competições da prova.

O Velopark ainda nem existia e lá estávamos, prontos para andar pra valer numa pista de 402 metros, então novidade para nós. A puxada de sábado já tinha dado um gostinho, mas sabíamos que apesar da condição do carro, podíamos melhorar muito. Exceto por um detalhe:

CHOVIA QUE DEUS MANDAVA!

Eu nem queria pensar na possibilidade de que havíamos passado por um capítulo do "Kadett no País das Maravilhas", com todas as atribulações e figuras que conhecemos no sábado, e que tudo aquilo seria em vão. E a chuva não deu trégua durante todo o café da manhã. Até que resolvemos ignorar isso e ir pro autódromo de qualquer maneira.



E por incrível que pareça, a chuva foi parando, o autódromo foi secando e o Kadett estava pronto para andar. Desde que eu conseguisse enfiar a pressurização e o mangote no lugar...Mais calmo, agora usando a cabeça ao invés dos pés, a coisa finalmente deu certo.

 

Mas é claro que não seria tão fácil. Ninguém aí imaginou que, depois daquela função toda da solda, não ficaria nenhum furinho na peça... O motor era alimentado por 4 bicos que teoricamente eram de 70 lb/h, mas eles não alimentavam o carro, por isso havia um bico injetor na pressurização, para garantir que não desse falta. Só que o suporte do bico estava aparafusado antes da famigerada solda.

Ajustei então a  Fuel Tech para pulsar o injetor na marcha lenta, junto com os bicos principais. O que ocorreu então foi um incrível chafariz que revelou não um ou dous furinhos, mas sim que a peça era uma verdadeira peneira!


Resolvemos testar isso, porque ficamos com receio de que o combustivel pudesse ser pulverizado no cofre através desses furos quando o turbo pressurizasse, mas a coisa era muito mais grave do que parecia, pois o combustível estava jorrando pelos furos já em marcha lenta.

Alguma coisa tinha de ser feita, correr assim estava fora de cogitação. Mas como vedar um tubo numa situação assim, vedando ao mesmo tempo pressão e combustível? É claro que não existem soluções mágicas, mas deixar de correr por causa disso também estava igualmente fora de cogitação. Até que alguém apareceu com um rolo bem grande de fita isolante. E não tivemos dúvida: Enrolamos o rolo todo em volta da solda e rezamos pra dar certo. E aparentemente estava vedando.


Mas aí tivemos outros problemas... De uma hora para outra, o carro começou a falhar. Parecia até uma praga, arrumava uma coisa e estragava outra! Trocamos velas... Bomba não podia ser, afinal era extremamente improvável que todas as 4 bombas estivessem estragadas... Nada resolvia e decidimos trocar os cabos de vela. Mas não tínhamos sobressalentes.

 


Foi então que o Anderson Dick nos emprestou os cabos de vela originais do seu carro de rua, um Vectra Elegance. Apesar de o carro ter motor 8v, os cabos serviram perfeitamente no motor 16v do Kadett, mas também não era esse o problema. Depois descobrimos que eram os injetores entupidos... Sujeira no combustível ou nos tanques... Ou nos galões... Quem vai saber agora...



Mas ainda tinham todos aqueles vazamentos... E o pessoal da Mecânica Romeu, que havíamos acabado de conhecer, entrou em cena auxiliando a reparar o vazamento de água. Assim não passamos mais vergonha na hora do alinhamento. E finalmente fomos outra vez para a pista.



Kadett no alinhamento, com o Civic VTi turbo. Arranquei sem nitro e com todo o cuidado para não trepidar muito Apesar do tempo ruim nos 60 pés, mais uma vez conseguimos andar na frente, agora com o tempo um pouco mais baixo: 8,5@201 e 13,1@402. O carro fumava cada vez mais, mas assim mesmo os tempos estavam baixando. Os urubus cada vez mais se apavoravam com a evolução do carro e corriam para o nosso box para ver o que se passava por lá.


Mal sabiam eles que o carro estava andando com apenas 0,7 bar de pressão de turbo e sem nitro...

Já estavamos quase nos 12, já era um tempo melhor, mas ainda não era o que pretendíamos. Comecei então a analisar os tempos e percebi que o tempo de 402m não estava condizendo com o tempo de 201m. Pelas parciais, parecia que o carro estava mais lento no final da pista, mas não era o que eu sentia ao volante.

Depois de quebrar um pouco a cabeça com esse enigma, fui até o final da reta e observei outros carros arrancando e acabei me dando conta de que eu estava tirando o pé no final, antes de cruzar os 402... Que amadorismo... Mas por outro lado, havia boa perspectiva de melhorar ainda mais, apenas acelerando até o final da pista.



Fui para minha segunda puxada oficial. Era a primeira puxada com nitro e finalmente parecia que eu começaria a ter uma idéia do real potencial do carro. Foi então que eu comecei a escutar no motor um barulho estranho, algo batendo. De capacete não se ouve muito bem, mas tive a nítida impressão de escutar as bielas batendo um pouco. Pensei:  Dane-se. Não vim até aqui para desistir agora, se quebrar, quebrou.



Ainda no alinhamento, uma revoada de urubus se abateu sobre o meu carro, parecia que eles sentiam que a evolução nos tempos não ia parar. Era a penúltima puxada e eles queriam que eu alinhasse com o carro do tal piloto da Turbo A, que não estava lá, mas o carro sim estava sendo pilotado pelo próprio preparador. Acenei que não, ainda estava acertando o carro. Mandei eles longe. Eu nem tinha testado com nitro ainda, além do que, quando nos prometemos, eu fui bem claro: O pega era com ele e não com procurador.

Mas o que eu queria mesmo era dar uma puxada, sentir o carro com nitro e chamar o cara pra acelerar de qualquer maneira. Só que o carro deles chegou acertado e estava andando redondo desde a primeira puxada. E eu nem estava sabendo ainda onde a pista realmente acabava... Eles que esperassem ao menos o carro estar acertado. E eu estava confiante de que a última puxada fecharia o dia com chave de ouro.

Mas tínhamos que lidar com uma puxada de cada vez. Fui para o alinhamento e fiz uns burnouts no final da fila, para purgar a linha de nitro. Ensaiei uma arrancada mais forte com o nitro e lá se foi a pressurização pra cima novamente... E agora, o que faria? Levei quase meia hora pra colocar aquilo no lugar, com toda a calma e paciência... Não tive dúvidas, desci do carro de capacete e tudo, fiquei de pé em cima do motor e comecei a pular como um louco em cima daquele cano maldito, tentando fazê-lo encaixar de volta no mangote que o cara lá da cidade tinha me dado. Mas aquela borracha era mais dura que concreto. Chutei aquilo com tanta força, que incrivelmente acabou entrando!

Aparafusei a abraçadeira da melhor maneira que pude, e logo chegou correndo meu irmão, lá do box, para me ajudar a concluir a fixação e prender novamente o capô. Me consolei com o fato de que a arrancada teria que ser devagar mesmo.

Alinhei com uma Saveiro turbinada. Fiz um burnout bem tímido e mil coisas passaram pela minha cabeça. Desde os cuidados que eu teria de tomar pra conseguir arrancar com o carro com o nitro, passando por todos os problemas que o carro estava enfrentando ali naquela pista, até mesmo o risco de incêndio, e acabando naquelas bielas... Bielas usadas que paguei mais caro que novas pela pressa de montar e que agora eu estava escutando bater... Será que eu já estava pirando?

Quando o alinhador baixou o braço e o Jaime Kopp deu o start no pinheirinho todas as vozes silenciaram. A única coisa que eu sentia era uma enorme concentração em fazer tudo certo. Tudo estava calmo e parecia até que o tempo estava mais devagar. Os joelhos pararam de tremer e quando eu vi o último amarelo eu acelerei lentamente o carro, deixando a embreagem escorregar um pouco, para evitar que a pressurização fosse lançada como um morteiro novamente.

Girando pouco, logo passei a segunda, para não correr o risco de entrar nos cortes de giro. Mal percorri 20 metros de primeira marcha. nem 3 segundos depois coloquei a segunda e o carro um pouco fora de giro, mas aceitou e teve uma boa aceleração nessa marcha, que também durou pouco. Agora era a hora da verdade, espetei a três com todo o cuidado para não errar marcha, engrenei o câmbio, soltei a embreagem e apertei o botão do nitro. A terceira parecia uma primeira.

A aceleração me colou no banco e o carro foi pra frente com vontade. Procurei a Saveiro no espelho e vi só um vulto amarelo, muito atrás. Olhei para o câmbio e vi a fumaça que estava por todo carro, no nível do local onde originalmente fica o rádio, como se o interior do carro fosse uma banheira, na qual eu estava imerso, só que não em água, mas em fumaça branca que entrava pelos furos da parede de fogo.

Pensei por um décimo de segundo: "Será que está incendiando o carro?"

Logo após espetei a quarta marcha e dá-lhe botão. Com nitro era outro carro, berrava como um louco e empurrava como eu sempre quis que fôsse, desde que começamos. Segui acelerando até o final, pois não queria mais correr o risco de tirar o pé antes de cruzar a linha. Eu não iria perder aquela puxada por nada. Não tiraria o pé daquele acelerador antes de cruzar os 402m nem mesmo se o carro estivesse pegando fogo, literalmente.

Isso me levou perigosamente para perto do final da reta e quando fui freiar, senti que a traseira estava muito mais leve, mas os freios estavam originais. Eu estava a mais de 200 km/h quando pisei no freio e traseira quis passar a frente e o carro foi passarinhando até o final, onde esperavam os outros pilotos que já haviam corrido. Entrei na curva como um carro de turismo, só que com pneus 225 com 8 libras na frente e pneus 185 com 40 libras atrás... Quem estava lá parado disse que foi feio de ver!



Veja a puxada do Kadett a 1m10s desse video

Parei o carro, a fumaça se dissipou, não havia incêndio nenhum. O motor batia mais que uma Tobata e a temperatura estava na casa do chapéu. Mas estava funcionando, sem falhar e com marcha lenta estável. Pensei duas vezes, mas desliguei.

Logo todos os pilotos foram liberados para voltar aos boxes, em fila indiana. Sabia que tinha sido o melhor tempo, mas nao tinha nem idéia de quanto. Mas sabia que só aquela puxada já tinha valido todo o esforço que tínhamos tido para chegar até ali. Quando entrei na área de box, a primeira coisa que vi foram os urubus com cara de bunda e uma câmera na mão, denunciando que estavam ali prontos para registrar a explosão do meu motor, mas o carro ligou fácil e me trouxe de volta ao box do mesmo jeito que saí: Rodando.


Nem tive tempo de processar mais esse pensamento e comecei a ver as caras conhecidas, todas com largo sorriso, alguns pulando e festejando.O primeiro que me abordou foi o Anderson Dick, que me deu os parabéns pelo tempo, mas eu nem sabia qual tinha sido o tempo... Ele perguntou a pressão e eu que nem tinha olhado isso ainda, puxei o registro da FuelTech e disse: "1,05".

-"Bah, um e meio só?" Não meu, UM E ZERO CINCO, 1 kg... Pode olhar aqui no display...

Toda a galera chegou feliz para dar os parabéns.

No final, conseguimos uma puxada com apenas 1,05 kg de pressão e apenas um estágio de nitro e as parciais foram: 2,4 de 60 pés, 8,1 de 201 metros e 12,2 de 402m beliscando os 200 km/h.

Ainda tinhamos oportunidade de dar mais uma puxada, que seria a última. E eu já comecei a maquinar uma forma de aumentar o nitro, acertar um pouco melhor a geometria, prender melhor a pressurização, nitrar já de segunda marcha... Até que liguei o carro e meus planos caíram por terra. O barulho das bielas batendo estava muito alto e certamente eu já tinha perdido aquele virabrequim... Se eu continuasse forçando estaria me arriscando a perder também as bielas, que eram muito mais caras e o bloco, que era o bloco com o número original do carro...

Pesei as coisas e concluí que se fosse uma questão de honra, ainda dava pra ir, mas o cara com quem marquei o pega nem estava ali, iria acelerar com o mecânico... Os urubus já nem tomaram coragem pra vir me chamar pro pega novamente e pensei: Mês que vem tem outra, o cara vai estar aí... Já sofremos bastante, não vou fazer palhaçada pro diabo rir. E assim encerramos o dia.

O saldo da coisa foi que o turbo foi pro saco, perdi um virabrequim, as bielas estavam com os alojamentos errados, levamps uma surra do carro, a caixa estava claramente moendo, dava pra sentir, gastamos uma grana preta para estar lá, mas valeu muito à pena.

Sabíamos que não era o tempo certo do carro, mas 12 baixo com 2,4 de 60 pés significava que a casa dos 11 era uma meta mais que realista e cá entre nós: 1 kg de pressão? Tinha muito cavalo ali ainda por vir. Sem falar no nitro... Como parâmetro de comparação, num grid com mais de 20 carros da Turbo A e B, só dois tiveram tempos melhores que nós e a diferença foi pequena, apesar de todos os nossos percalços.




No final deu até para arranjar um tempinho para comer!!!



Pessoal ajudando a carregar o Kadett

Pose para a foto!




 E os carros indo embora na carreta fretada pelo pessoal da Desafio.

domingo, 3 de outubro de 2010

Primeira prova com o 16v


Então mais uma vez, estávamos lá. Mas agora a mecânica do carro era outra. Não estávamos mais lá com um motor meia boca, num misto de peças originais com outras bem pensadas. Agora era um motor turbo 16v forjado e com nitro. Até de falar, já soava malvado.

A idéia era andar bem, fazer tempo baixo e ficar entre os tração dianteira não-recortados e sem pneus de corrida mais rápidos do evento. Isso, na época significava andar mais forte que os carros da hoje DT-A e DT-B. Algumas pessoas viam isso com maus olhos e não aceitavam que carros da categoria desafio pudessem andar mais que os carros dos "profissionais". Coloco essa palavra entre aspas, pois entre os amadores e os profissionais da arrancada, até hoje só existe uma diferença: A compra da carteira de piloto de arrancada da Confederação.


 Inclusive havia um pega (não muito amistoso) marcado com um piloto da então Turbo A, mas que não se realizou pois o piloto não pode participar da prova por motivos pessoais. Mas assim mesmo havia um pequeno grupo de pessoas que estavam lá torcendo contra. No meu íntimo, achava aquilo muito estranho, afinal jamais havíamos conseguido nada de relevante e lá estavam os urubus mesmo assim, torcendo para que nos déssemos mal, para poderem rir de nossas dificuldades.

Entendo os que invejam ou querem o mal daqueles que estão em evidência ou são bem sucedidos. Mas nós estávamos brigando para conseguir simplesmente fazer o carro funcionar. Que tipo de pessoa se satisfaz pisando em quem está com dificuldades?

Para alguns é muito fácil montar um carro de bom nível, pois envolve só despejar mais e mais dinheiro. No nosso caso o dinheiro era escasso e mesmo com um sócio no carro eu estava desembolsando pesado para completar tudo o que era necessário para o carro andar. E assim mesmo para o nível à que estávamos nos propondo o que tínhamos naquele momento era precário.

Tínhamos as peças, mas não tínhamos tido nem um mínimo de experiência prévia com elas, muito menos treino. Pra falar a verdade o carro não estava nem acertado, pois o mapeamento da injeção tinha sido feito no caminho para a carreta. Ou seja: Não tinha nada de mapeamento em pé no fundo. Aliás, esse era o trabalho imediato: Entrar na pista e treinar, não para ver o se o acerto estava fora, mas sim o quanto.



Estávamos exaustos, sem dormir há quase dois dias e após uma viagem de duas horas tínhamos que levantar e dar jeito no carro. E foi o que fizemos. Ao ligar o motor descobrimos que o carro tinha vazamentos de água, óleo e ar por todos os lados. Um dos kits nitro não funcionava e o turbo não passava de forma nenhuma de 1 bar de pressão.


Começamos o dia já com diversas decepções, mas ao menos o motor ligava e o carro andava. Os giros iam até o limite estipulado de 7500 e tudo parecia bem com o funcionamento do motor, exceto a fumaça, que não sabíamos se era do turbo e do cabeçote 16v que eram peças novas no projeto ou decorrente da péssima condição em que estavam os cilindros, em função da sequencia de quebras de balancins e das "metralhadas" que os cilindros receberam dos cacos de guias de válvula que se desprendiam a cada vez que um pistão as atropelava.

O curioso disso, é que como o pistão atinge uma válvula e a entorta, abre-se um canal de comunicação anormal entre o cilindro em compressão e a plena da admissão, lançando os cacos de guias para o coletor de admissão que o redistribui com uma precisão incrível para todos os cilindros. Assim você tem um único pistão quebrado, mas tem cacos de guias peefeitamente distribuídos através de todos os cilindros!

E pensar que tantas vezes tive de ler observações impertinentes dos maníacos do ctrl/c ctrl/v dissertando intestinalmente sobre a "distribuição desigual do fluxo do fluido através dos dutos para cada cilindro"... Confesso que me faria bem vê-los contando aplicadamente as centenas de marcas geradas pelos cacos em cada cilindro, para tentar descobrir um padrão desigual de fluxo dos SÓLIDOS através da admissão. Fariam descoberas incríveis, pois tenho quase certeza de que não vi isso em nenhum manual da SBD que pudesse ser rapidamente chupinhado através dos atalhos de teclado e regurgitado com descarada propriedade na cabeça de ingênuos e bem intencionados frequentadores de fóruns.



Desabafos à parte, o carro fumava impiedosamente o que me deixava numa situação bastante constrangedora. Mas mais constrangedor que isso eram os vazamentos, que os fiscais de pista ficavam procurando embaixo do Kadett a cada vez que eu alinhava, o que me obrigava a pensar que todos no autódromo estavam vendo que meu carro sofria de uma severa incontinência de fluidos.

Mas ainda mais embaraçoso foi o momento em que essa incontinência de fluido de arrefecimento resultou num superaquecimento na fila do alinhamento e num ato de desespero saí do carro, peguei o extintor de incêndio e descarreguei-o no radiador, com o intuito de fazer com que a temperatura da água caísse, ao menos um pouco. Os fiscais de pista que já vinham de olho no carro vieram correndo em meu socorro, afinal aquele carro do qual vazava tudo (menos álcool, mas isso eles não tinham como saber) e que emitia mais fumaça do que uma churrasqueira de tonel agora tinha também seu piloto de capacete e tudo com um extintor na mão apontando e disparando freneticamente contra o cofre do motor...

Isso sim foi embaraçoso. Graças ao bom Deus que não tenho fotos disso, senão eu ainda seria capaz de postá-las aqui...

Então fui para a pista, sem nitro, para mapear com mais precisão a alimentação de alta com pé na lata. Minha primeira puxada foi contra um Gol aspirado, segundo consta entre os entendidos, os terrores dos 201 metros.


Não castigo no burnout, pois quero que a caixa F16 dure pelo menos os dois dias de competição. A fumaça vem do motor mesmo. O som do Gol com escape reto é alto e irritante. O metanol pingando do escape e a inexistência de marcha lenta fazem com que seu piloto nao possa baixar o giro.

Arranco mais concentrado em mim do que nele e o Kadett reina e falha um pouco na primeira marcha. Nesse momento eu me lembro dos testes com a pistola de ponto e das estranhas centelhas que o módulo de ignição dava em momentos completamente inoportunos, que reveladas pela luz estroboscópica pareciam relâmpagos descontrolados em dias de tempestade. A cada vez que eu aplicava WOT em giro baixo e com carga a ignição era dada por padrões do além e não pelo sincronismo do sistema.



Mas não posso me abalar, pois sei que uma vez que perdi os treinos tentando fazer o carro funcionar, só me resta uma puxada para resolver tudo e deixar o carro em condições de não passar vergonha no domingo, frente aos urubus que espalham pelo padock que meu carro é uma carniça.

Apesar de tudo o carro anda como nunca andou até então e não vejo o Gol nem pelo retrovisor. Quando colo o pé na lata o coletor que fizemos mostra suas virtudes e o som do motor fica bastante impressionante. O Kadett ronca como um aspirado, mas empurra como turbo: 8,8 em 201 metros e 13,3 em 402. Só isso já acabava com a felicidade de alguns dos "entendidos" que disseram que eu teria sorte se conseguisse virar 14,5. Mas não pensei nisso na hora. Pensei em voltar rapidamente para o box, dar uma melhorada no acerto e tentar novamente. Ao voltar para o box dou uma conferida no registro da FuelTech e vejo que a pressão não havia atingido 0,7 bar, com a válvula chaveada. E pensar que meu plano era usar 3, ou quem sabe 3,5 bar...

Rapidamente ajustei a mistura e passamos a trabalhar para reduzir um pouco ao menos os vazamentos, para não sermos expulsos da pista pelos fiscais. Dou algumas voltas pelas dependencias do autódromo para fazer ajustes e me dirijo à fila para a segunda bateria. Enquanto estou parado esperando para entrar na pista, um outro piloto para ao lado do meu carro e faz diversos elogios rasgados ao carro e ao nosso trabalho nele.

Aquilo me soou meio quadrado, pois embora eu tenha profundo apreço pelo meu carro e acredite no nosso trabalho, sei que naquele momento meu carro não refletia nenhuma dessas duas coisas. Pra ser honesto, o aspecto e o rendimento do carro estavam me envergonhando e fiquei com uma sensação bastante ruim ao ouvir aqueles elogios que por qualquer motivo não me pareciam vir do fundo do coração.

Mas para meu alívio aquela situação constrangedora logo acaba, ele entra no carro dele e vai embora para a pista. Imediatamente entro no meu para fazer o mesmo, mas quando ligo a chave geral do carro - não o motor, apenas a geral da elétrica - escuto um tremendo estouro e vejo o capô subir uns 30 cm. Aquilo foi realmente inesperado. Para alguns a explicação é lógica: Eu tinha um bico monoponto na pressurização, dei uma esticadinha antes de parar e logo desliguei o motor. Quando liguei a geral, a ignição louca deu um falso disparo, como eu já sabia que estava ocorrendo, porém justo no cilindro que coincidentemente estava com as válvulas de admissão abertas e a pressurização literalmente explodiu. Para outros essa é apenas uma forma de racionalizar os modos misteriosos de ação do OLHO GRANDE.

Nunca fui de acreditar nesse tipo de coisa, mas vocês hão de convir comigo que o contexto todo foi no mínimo bizarro. Mas a bizarrice estava longe de ter um fim naquele sábado nublado.

Havíamos montado uma mangueira de 2 1/2 em curva na pressurização. Isso ocorreu pois na pressa da madrugada anterior não surgiu melhor solução e jamais imaginaríamos ocorrer um evento tão bombástico dentro daqueles tubos. Só que a consequencia disso é que uma vez que ninguém tinha a tal mangueira em curva para vender em Santa Cruz, uma besteira dessas iria acabar com nosso final de semana, após uma única puxada!

Corremos o autódromo todo, mas não tinha jeito. Até que vi no chão um cano de escape de um carro dando sopa. Era o cano do Golf de rua do Pedro Wendt. Pedro não usava o cano para arrancar e havia tirado ele para fazer melhores tempos. Expliquei a situação pro cara e ele não teve a menor dúvida: "Pode cortar"!


Pedrão iria roncando alto a viagem de volta inteira, mas ali estava a solução dos nossos problemas! Desde que encontrássemos alguém para soldar a curva na pressurização...

Saímos então à cata de um soldador. Descobri que Santa Cruz é uma cidade morta no sábado e não encontrei ninguém que tivesse nenhum tipo de máquina de solda, fosse mig, tig, eletrodo ou oxi-acetileno. Eu e meu irmão rodávamos a cidade - que mal conhecíamos - à procura de qualquer coisa que derretesse metal, até que encontramos nos arredores da cidade umtiozinho que tinha um galpão e uma maquininha de solda eletrodo, bem novinha, dessas de serralheiro. O galpão em si era tenebroso, de madeira com frestas que passavam a luz, mas o tiozinho era muito gente boa e ficou muito feliz em abrir a oficina para nos atender.

E mais ainda em calmamente conversar conosco sobre tudo da sua vida, enquanto a corrida transcorria sem pausas no autódromo. Até que lá pelas tantas o tio se resolveu a soldar nosso cano. Aí sim que a coisa pegou preço. Na primeira tentativa a máquina estava com amperagem muito baixa e o eletrodo colou na peça. Então o nosso insólito soldador tira a máscara com o eletrodo colado na peça e se vira para trás, enquanto continua aquele barulho de eletrodo colado e fala: "Ela tá conversando comigo!"

Foi então que ele pediu a seu serelepe ajudante, que se me recordo era um filho ou sobrinho (mas que tinha idade para ser neto), que desse meia volta na manivela de amperagem da máquina de solda. Eu fiquei olhando e o guri deu nada menos que 3 voltas completas, coisa que o tio não viu porque estava de costas... Naturalmente quando o tio encostou o eletrodo na chapa de 1,5 mm do tubo de surdina, o material imediatamente foi pulverizado...

Então ele pediu que o filho desse novamente meia volta para trás. Eu fiquei olhando o guri já indignado e meu irmão não sabia se ria ou se ficava preocupado. É claro o rapazote deu umas 2 voltas ao invés da meia que foi orientada. E assim foi a dança da manivela, até que os dois chegassem a uma amperagem que desse para soldar. Quando a solda começou, aí sim que me apavorei: Ao invés de soldar corrido com o eletrodo, ou soldar de ponto em ponto, nosso inesperado soldador parecia que benzia a peça, dando pontos em todas as direções, como quem faz o sinal da cruz. Era uma bênção forjada em aço!!!

Ao final, paguei ele feliz da vida e me despedi, ao mesmo tempo grato pelo fato de ter encontrado alguém que se dispusesse a abdicar de seu descanso para soldar minha peça e também aliviado, por jamais ter de voltar ali novamente para soldar uma peça.

Mas faltava um mangote reto. E rodei pela cidade toda procurando qualquer pessoa que pudesse ter um simples pedaço de 10 cm de mangote reto de 2 1/5 polegadas. Mas como diria o Mr. Burns dos Simpsons, só encontrei basbaques. Até que quando já estava perdendo a esperança, pedi ajuda para um pessoal que (pelas roupas e maneiras) parecia envolvido com oficina, mas pelo horário (final da tarde), local (em frente a um bar) e estado etílico (desnecessário explicar mais) já haviam acabado o expediente... Dois dos cidadãos concordaram que havia uma pessoa que poderia me ajudar, o difícil foi eles entrarem em acordo sobre para qual lado ficava o endereço da tal empresa...

Mas no final acabamos encontrando o cara, que não estava bêbado, foi muito solícito e abriu sua empresa somente para nos ceder um pedaço de mangote maior do que queríamos e não nos cobrou nada. Se o mundo todo fosse feito de pessoas como aquele cara, com certeza todos nós estaríamos vivendo num mundo melhor.

Ok, as bizarrices haviam acabado, mas agora já era quase noite. Voltamos para o autódromo, para deixarmos tudo pronto para o domingo. Agora era só montar a pressurização no lugar e estaríamos de volta na briga. Fácil é falar. A pressurização, agora com um pedaço a mais soldado não entrava no lugar de jeito nenhum! Usei de todos os métodos que conhecia para fazer aquilo encaixar, mas não tinha jeito. E não entrou mesmo.
 

Achamos melhor encerrar o dia. 

De volta ao hotel, tomamos banho e fomos fazer a tradicional reunião dos pilotos da AD, que geralmente ocorre em um restaurante. Por menos de 5 minutos de atraso a gerente do restaurante cancelou nossa reserva e acabamos jantando na casa de um patrocinador da AD, que gentilmente cedeu seu salão de festas e churrasqueira, recebendo todos os membros que estavam competindo naquele final de semana. O resultado foi um belo churrasco, partilhado por todos com muita alegria.


De volta ao hotel, alguns pilotos reclamaram que não havia chuveiros quentes em todos os quartos, mas honestamente não sei. Caí na cama e dormi o sono dos justos. Mas não antes de entrar na intenet e dar uma cutucada no cara que tinha dito que eu teria sorte se conseguisse virar 14,5.


Mas São Pedro pelo visto não achou graça da piada e domingo amanheceu com chuva pesada.